Desde os primórdios a
necessidade de comunicação era uma coisa inerente ao homem. Os homens
primitivos saiam em suas caçadas e se deparavam com um mundo hostil e cheio de
mistérios a serem desbravados. Esta visão de mundo passou a suscitar em nossos
antepassados o desejo de expressar suas experiências, bem como contar suas
histórias. Podemos imaginar estes homens, sentados em volta de fogueiras,
tentando seja através de gestos, desenhos ou, posteriormente, da língua falada,
passar estas histórias para seus iguais. Este impulso primeiro em contar e
guardar seus feitos para posteridade coloca a semente das narrativas épicas nas
descrições e no imaginário do homem.
Etimologicamente, a palavra “Épico” vem
do grego “epos” ou “épikos” e possui vários significados como
poemas, recitação e versos. Extrai de uma das formas mais remotas de
comunicação humana a vontade de tornar memoráveis seus feitos em suas
histórias. A narrativa épica caracteriza-se como uma narrativa de assunto
ilustre, sublime, solene, contendo acontecimentos históricos reais, lendários
ou mitológicos ocorridos a muito tempo, de heróis de superior força física e/ou
psíquica, embora de constituição simples, cujas façanhas simbolizam as
grandezas de todo um povo. O gênero épico, portanto é uma narrativa que
apresenta um episódio heróico da história de um povo, não necessariamente
contando toda sua história, mas ressaltando seus valores e os simbolizando em
seus feitos e buscas. O professor Massaud Moisés, em seu livro “A Criação
Literária” diz que
“A poesia épica tradicional (...) servia
de espelho onde se refletiam as
representações, anseios e aspirações dos povos, carentes
de alimento para a sensibilidade e a imaginação: a contemplação da beleza
heróica ofertava-lhes as respostas
esperadas.”
MOISÉS, Massaud. A Criação Literária.
Estas respostas são exatamente o que
podemos ilustrar como a busca dos anões na obra “O Hobbit” de J.R.R. Tolkien,
onde eles cantam as glórias de um povo há muito sem uma identidade, um lar,
enaltecendo o caminho percorrido pelos heróis deste povo sem uma terra para
chamar de sua. O caminho para a redenção de toda uma raça estava bloqueado pelo
grande dragão Smaug, uma das maiores calamidades da Terra-Média naqueles dias,
e a coragem de daquele pequeno grupo de anões deveria ser o suficiente para
derrotar o terrível inimigo.
A presença do mago Gandalf, ou “Mithrandir” ([miˈθrandir]), na língua dos
elfos, que significa “Peregrino Cinzento”, também nos leva a enxergar um traço
da escrita épica, onde o chamado "maravilhoso", isto é, a
intervenção direta, na narrativa, de seres com poderes sobre-humanos ou
sobrenaturais, é comumente encontrada nos textos. No épico pagão encontramos
geralmente a intervenção do elemento divino, ligado a mitologia greco-romana,
mas também podemos observar a intervenção do divino na mitologia
judaico-cristã, e em suas narrativas bíblicas. Gandalf aqui é o elemento
dissonante em termos de capacidades, com grandes poderes mágicos, e está
presente agindo muitas vezes de forma direta, mas também sumindo em diversos
momentos forçando os heróis a superação de grandes dificuldades sem a sua
ajuda.
O herói neste tipo de narrativa precisa
superar seus medos, anseios, vaidades, para se tornar o herói que seu povo
aguarda para espelhar-se nele. Thórin Escudo de Carvalho precisa ser o rei que
aquele povo perdeu, para trazer de volta a esperança de um reino usurpado pelo
terrível Smaug, e simbolicamente sua busca é a busca de todos os membros de sua
raça e seus objetivos também são comuns: Encontrar-se, lembrar-se de sua
grandeza e restituir o que lhes pertence.
Sobre suas costas recaem todas as
esperanças de sua raça e ele deve manter-se digno em seu discernimento. Por
mais que isso não aconteça durante boa parte do livro, após recuperar seu
tesouro, ele finalmente encontra redenção e o perdão em sua morte. Os atos
heróicos perpetuados por este herói jamais serão esquecidos e seus feitos serão
lembrados por gerações e gerações. Este é o objetivo primeiro de uma narrativa
épica, tornar os heróis eternos. Quando Tolkien descreve a morte de Thórin, é
quase impossível não perceber o que aquilo representou... Redenção. Não apenas
dele, mas de todo o seu povo.
Nas palavras do autor, Thórin se vai e
“Sobre seu túmulo o
Rei Élfico depositou então Orcrist, a espada élfica que foi tomada de Thórin no
cativeiro. Contam as canções que ela brilhava a escuridão quando os inimigos se
aproximavam, e a fortaleza dos anões não podia ser pega de surpresa.”
TOLKIEN, J.R.R. O Hobbit. Pág 283
O Rei dos anões, mesmo tombando em
batalha, jamais será esquecido, e sua jornada, será lembrada por todos os
membros de sua raça como o momento que os anões retomaram para si o reino sob a
Montanha Solitária, a custo de muito sangue derramado e lágrimas vertidas. E
este, certamente, seria um grande conto épico da terra de Erebor.
Cara, excelente texto! Senti falta de você comentar também a função do Bilbo, visto que com Gandalf e Tórin ele conclui a tríade épica. Ele é o bardo que volta com a história para contar, nos épicos gregos e cristãos, normalmente a história é contada por quem não é o mais forte ou o mais poderoso, mas dotado de espírito e sabedoria suficiente para fazê-lo, vide o narrador das aventuras de Quixote.
ResponderExcluirCara, o layout novo ficou massa e outra, você reparou como o Senhor dos Anéis toma emprestado vários elementos do Harry Potter... NOT!!! huahauahuahuahau, essa foi boa!
Filipe
Boa sacada, Filipe. Obrigado por contribuir com o blog. Forte abraço.
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